quarta-feira, 14 de agosto de 2013

FENÔMENO DE ASHMAN





Sequência ciclo longo-ciclo curto (fenômeno de Ashman)



No ECG de  "Qual o Diagnóstico 33?",  a origem supraventricular do batimento com QRS largo  é sugerida pela presença do chamado fenômeno de Ashman.
Descrito por Gouaux e Ashman em 1947, consiste na evidência de que um batimento largo precoce (ciclo curto) que se segue a um ciclo com maior RR (ciclo longo) provavelmente é de origem supraventricular conduzido com aberrância. O diagnóstico diferencial é com ectopias ventriculares. O ciclo com maior RR (longo) aumenta o período refratário dos ramos, assim há maior chance do batimento seguinte encontrar um dos ramos dentro do período refratário e ser conduzido com aberrância (mais comumente o ramo direito, que tem um período refratário maior).
Este fenômeno foi descrito inicialmente em traçados com FA, mas é observado também em ritmo sinusal e batimentos ectópicos, sendo usado como "regra" para diferenciar extrassistolia supraventricular com aberrância de extrassistolia ventricular (por exemplo: em traçados de Holter). Mas há exceções a esta regra.
Apesar de descrito há muitas décadas, não encontramos um estudo que avaliasse a acurácia do fenômeno de Ashman como critério para diferenciar extrassistolia supraventricular com aberrância de extrassistolia ventricular.
Alguns autores relatam que a sequência ciclo curto-longo-curto teria até maior associação com aberrância.

Critérios proposto por Fish C para o diagnóstico diferencial entre aberrância e batimentos ventriculares. São critérios são compatíveis com aberrância: (Fisch C. Electrocardiography of arrhythmias: from deductive analysis to laboratory confirmation--twenty-five years of progress. J Am Coll Cardiol. 983;1:306-16):
1. Sequência longo-curto terminando com um batimento com QRS largo (batimento de Ashman). Morfologia de BRD é mais comum.
2. Complexos com intervalos de acoplamentos variáveis;
3. Morfologia de BRD com vetor inicial do QRS normal;

A sequência de batimento aberrantes pode ser mantida nos batimentos seguintes em virtude da condução transseptal oculta que mantém um dos ramos refratários, o que pode resultar numa taquicardia de QRS largo (taquicardia SV com aberrância).
O excelente artigo do Cardiopapers, escrito por Dr. Fabio Mastrocolla, trás um Desafio com discussão do fenômeno de Ashman.

Dr. Richard F. Ashman, que ajudou a descrever e deu nome e a este fenômeno, foi um médico americano, nascido na Pensilvânia em 1890 e falecido em 1970. Professor de Fisiologia e Farmacologia (Luisiana State University School of Medicine), ele foi um estudioso da Eletrocardiografia e publicou vários trabalhos sobre o tema, bem com um livro texto que foi considerado um marco no ensino da Eletrocardiografia: Essentials of Electrocardiography (1937).



                                                             Prof. Richard Ashman

quarta-feira, 17 de julho de 2013

QUAL O DIAGNÓSTICO 33?

ECG de paciente (mulher de 55 a) atendida na Emergência com palpitações e dispneia.
O complexo com QRS alargado visto em V1 é um batimento ventricular prematuro (extrassístole ventricular) ou um batimento conduzido com aberrância?




RESPOSTA:

O ECG mostra taquiarritmia de RR irregular, ausência de onda P (ondulações), compatível com fibrilação atrial (FA) com alta resposta ventricular.
O batimento com QRS alargado visto em V1 (visto também em aVR-aVL-aVF) é compatível com batimento de origem supraventricular, apesar de ser um batimento com QRS largo e morfologia diferente do ritmo de base.
Veja o post sobre o fenômeno de Ashman.

domingo, 7 de abril de 2013

DIAGNÓSTICO DE IAM ASSOCIADO A BRE: CRITÉRIO DE SMITH


Esta discussãoo é baseada no seguinte artigo:
Smith SW, et al.Diagnosis of ST-Elevation Myocardial Infarction in the Presence of Left Bundle Branch Block With the ST-Elevation to S-Wave Ratio in a Modified Sgarbossa Rule. Annals of Emergency Medicine 6 (6); 2012.

Os autores neste estudo avaliam um novo critério para diagnosticar IAM na presença de bloqueio de ramo esquerdo (BRE). Na verdade, trata-se de uma modificação proposta ao terceiro critério descrito por Sgarbossa, no seu estudo publicado em 1996 no NEJM,  e, desde, então, referência sobre este assunto. Este estudo foi baseado numa análise post hoc do GUSTO-1, que randomizou mais de 40.000 (comparação de dois trombolíticos: tPA vs Estreptoquinase). Sgarbossa estudou 131 pacientes com BRE e IAM (clínica e CK-MB +).
Sabe-se que os critérios de Sgarbossa, como já tratamos aqui, apesar da especificidade elevada, apresenta uma baixa sensibilidade, de apenas 20%, conforme uma metanálise.
Relembrando estes são os três critérios de Sgarbossa, que devem ser avaliados no paciente com suspeita de IAM e BRE:
1. Supra do ST ≥ 1 mm em concordância com o QRS (escore 5).
2.  Infra do ST ≥ 1 em V1, V2 ou V3 (escore 3).
3.  Supra do ST ≥ 5 mm em discordância com o QRS (escore 2).

Um escore ≥ 3 é necessário o diagnóstico de IAM. 
O último critério (supra de ST ≥ 5 mm discordante com o QRS), isoladamente, sugere IAM, mas pode ser registrado no BRE em pacientes estáveis, na ausência de IAM, principalmente em V1 a V3 quando há ondas S de amplitude aumentada nestas derivações.
Pois bem. Os autores propõe modificar este último critério. O novo critério é baseado na medida da relação entre o supra do ST no ponto J pela amplitude da onda S ou R, que deve ser < - 0,25.
Isto é, a discordância deve ser proporcional a amplitude do QRS, sendo a relação ST/S (ou R) < - 0,25. O racional é este: grandes complexos QRS tendem a apresentar grandes supras de ST nas derivações V1 a V3 e grandes ondas R nas derivações esquerdas tendem estar associadas a acentuados infras de ST nestas derivações.
No estudo publicado, os autores coletaram ECGs de pacientes atendidos na emergência com sintomas isquêmicos, BRE e artéria coronária ocluída (cateterismo) e compararam com os ECGs de 129 pacientes com BRE e suspeita de IAM, mas sem artéria coronária ocluída (grupo controle).
Então compararam o desempenho do novo critério (ST/S (ou R) < - 0,25) com ST discordante >= 5 mm.
O último critério (supra discordante de ST >= 5 mm),  que é um dos critérios de Sgarbossa, esteve presente pelo menos em uma derivação em 30% dos pacientes com IAM e BRE vs em 9% do grupo controle.  Enquanto o critério de supra discordante relativo esteve presente em 58% dos pacientes com IAM vs 8% no grupo controle.
A substituição do terceiro critério de Sgarbossa por este critério novo resultou em melhor sensibilidade  (de 52% para 91%), com a manutenção da boa especificidade (cerca de 90%). 
Sabemos que a baixa sensibilidade é a maior limitação destes critérios de Sgarbossa, ou seja, os mesmos não estão presentes em uma proporção significativa de BRE e IAM.
A incorporação do novo critério mais acuradamente foi capaz de predizer IAM com artéria coronária ocluida: PPV de 9.0 (95% CI 8.0 to 10) e PNV de 0,1 (95% CI 0.03 to 0.3).
IAM com BRE e artéria ocluida seria equivalente a IAM com supra de ST, com indicação de reperfusão precoce.
Este estudo tem algumas limitações, talvez a mais importante é a limitada amostra de 33 pacientes com IAM e BRE, o que limita o poder para detectar diferenças e, possivelmente, resultar em maior chances de erros. 
Estudos adicionais são importantes para validar este critério como uma ferramenta útil na prática clínica.




(Supradesnível discordante do ST de 6,5 mm em V3 e V4 em paciente com Insuficiencia cardíaca grave de etiologia hipertensiva, com coronárias normais. Presença do terceiro critério de Sgarbossa (supra discordante ≥ 5 mm). Pelo critério modificado de Smith a relação ST/S em V3= 6,5/-45=-14,3.  O critério aponta para IAM associado a BRE quando o valor é menor do que – 0,25), o que não ocorre neste caso). Em outras palavras: o supra de ST neste exemplo de BRE é de grande magnitude, mas ocorre em um QRS muito amplo também, o que faz com que a razão ST/S não seja compatível com IAM).



Referências:

Smith SW, et al.Diagnosis of ST-Elevation Myocardial Infarction in the Presence of Left Bundle Branch Block With the ST-Elevation to S-Wave Ratio in a Modified Sgarbossa Rule. Annals of Emergency Medicine 6 (6); 2012.

Sgarbossa EB, Pinski SL, Barbagelata A, et al. Electrocardiographic diagnosis of evolving acute myocardial infarction in the presence of left bundle-branch block. N Engl J Med 1996; 334:481-7.

terça-feira, 26 de março de 2013

SCORE PARA DIFERENCIAÇÃO ENTRE TV DE VIA DE SAÍDA DE VD E RELACIONADA À DAVD.




A arritmia ventricular (idiopática) da via de saída do ventrículo direito e a relacionada displasia/cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) podem ter aspectos morfológicos semelhantes. Em ambos os casos, a extrassistolia ventricular (ESV) ou a taquicardia ventricular (TV) podem apresentar padrão de BRE com eixo para baixo, isto é, QRS negativo em V1 e positivo em II, III e aVF.
Arritmia ventricular com esta morfologia  na maioria dos casos corresponde à forma idiopática de via de saída do ventrículo direito, enquanto a DAVD é incomum. De outro modo, na maiorias dos casos, esta forma de arritmia ventricular é idiopática, mas pode ser causada por DAVD. E a arritmia de via de saída de VD tem um bom prognóstico na maioria dos casos, ao contrário da DAVD, que é associada à morte súbita. Um escore desenvolvido foi recentemente publicado, derivado da análise de uma coorte e validado prospectivamente, com a finalidade de distinguir arritmia ventricular idiopática de via de saída do ventrículo direito (VD) da arritmia ventricular associada à displasia/cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD). O escore deve ser empregado quando a extrassistolia ventricular (ESV) ou a taquicardia ventricular (TV) apresenta morfologia de BRE e eixo inferior. Por outro lado, este escore não é um substituto para os critérios revisados da força tarefa ("revised task force criteria"), que são a base para o diagnóstico da DAVD. Este escore apresenta máximo de 8 pontos, sendo que um escore ≥ 5 é compatível com arritmia ventricular por displasia arritmogênica do ventrículo direito. O escore é baseado na análise da presença ou não de inversão de T em V1 a V3 em ritmo sinusal (3 pontos, se presente) e na análise dos seguintes parâmetros do ECG da arritmia ventricular (batimentos ventriculares ectópicos ou taquicardia ventricular): intervalo QRS com duração de 120 ms ou mais em D1 (2 pontos); entalhe no QRS, definido como a presença de entalhe no QRS (no ramo ascendente ou descendente) em duas ou mais derivações, que não passa a linha de base (2 pontos) e zona de transição do QRS (1º QRS com R >= S) nas precordiais em V5 ou além (1 ponto).No estudo citado (v.referência) foi observado que um escore de 5 ou mais distinguiu de forma correta a arritmia ventricular idiopática da causada por DAVD em 94% das vezes, com sensibilidade de 84%, especificidade de 100%, VPP de 100% e VPN de 91%. Um total de 86 ECGs com arritmia ventricular (de 85 pacientes) foram avaliados.
Considero que este escore preenche um lacuna na literatura e, pela sua simplicidade, deve ser empregado com o objetivo proposto, principalmente pelos especialistas em Arritmias ou Eletrofisisiologia.

Referência:

Hoffmayer KS, Bhave PD, Marcus GM, et al. An electrocardiographic scoring system for distinguishing right ventricular outflow tract arrhythmias in patients with arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy from idiopathic ventricular tachycardia. Heart Rhythm 2013;0:-1–7.