sexta-feira, 29 de junho de 2012

IAM ASSOCIADO A BRE; CRITÉRIOS DE SGARBOSSA


O bloqueio de ramo esquerdo (BRE) associado ao infarto apresenta uma baixa prevalência, de cerca de 1 a 2% dos casos de IAM. A prevalência de pacientes atendidos em Unidades de emergência com BRE novo ou resumidamente novo é bem maior, cerca de 5 a 8%, dos quais somente um percentual menor realmente tem IAM, conforme dados de estudos recentes. 
Trata-se de um desafio estabelecer o diagnóstico de infarto (IAM) na presença de BRE.
É comum haver supra de ST em V1 a V3 no BRE, que não deve ser interpretado com infarto agudo do miocárdio. Isso ocorre porque a despolarização ventricular ocorre de forma anormal no BRE, e como consequência, a repolarização ventricular ocorre também de forma anormal. O segmento ST e a onda T apresentam desníveis geralmente opostos à polaridade do complexo QRS no BRE, isto é, se observa supradesnível do segmento ST associado a onda T positiva e assimétrica nas derivações precordiais direitas (com complexo rS ou QS) e infradesnível do ST e T negativa ou bifásica (minus-plus) em V6.
Entretanto, no BRE não é normal haver supra concordante do ST. O supra de ST concordante é definido pela presença de elevação do segmento ST nas derivações com onda R predominante.
Também no IAM associado a BRE o supra de ST pode se acentuar e apresentar amplitude > 5 mm.
Em 1996 foi publicado no NEJM um estudo por Dra. Helena Sgarbossa (Sgarbossa et al. N Engl J Med 1996; 334:481-7), com base nos dados de um grande estudo multicêntrico, o GUSTO-1, visando avaliar a associação entre as alterações de repolarização no BRE e infarto agudo. Foi desenvolvido o seguinte escore, que é conhecido como critérios de Sgarbossa:
              Supradesnível do ST ≥ 1 mm em concordância com o QRS (escore 5);
              Depressão do ST ≥ 1 em V1, V2 ou V3 (escore 3);
              Supradesnível do ST ≥ 5 mm em discordância com o QRS (escore 2).
Um escore ≥ 3 é necessário o diagnóstico de IAM.
Os critérios de Sgarbossa são usados para diagnosticar IAM na presença de BRE. Entretanto, estes critérios apresentam baixa sensibilidade (somente 20%, conforme uma metanálise), e o diagnóstico de infarto não pode ser excluído quando os critérios não estão presentes.
O último critério (supra de ST ≥ 5 mm discordante com o QRS) pode ser registrado no BRE em pacientes estáveis, na ausência de IAM, principalmente em V1 a V3 quando há ondas S de amplitude aumentada nestas derivações.
Alguns, como o Dr. Stephen Smith, têm sugerido usar como critério a relação entre a medida do supra do ST no ponto J pela amplitude da onda S ou R> 0,2, em substituição ao terceiro critério de Sgarbossa. Isto é, a discordância deve ser proporcional a amplitude do QRS, sendo a relação ST/S (ou R) não maior do que 0,2. O racional é este: grandes complexos QRS tendem a apresentar grandes supras de ST nas derivações V1 a V3 e grandes ondas R nas derivações esquerdas tendem estar associadas a acentuados infras de ST nestas derivações. Apesar de interessante, entretanto, este critério nunca foi adequadamente validado como um marcador de IAM associado ao BRE e no momento não há evidência suficiente para o mesmo ser empregado como tal.
Pelo contrário, as evidências apontam para outra direção. Foi observado (Am J Cardiol. 2011 Jul 2) que o supradesnível concordante do ST no BRE (critério de Sgarbossa concordante) está relacionado a infarto com artéria culpada ocluída em 71,4% dos casos, comparado com presença de artéria relacionada ao infarto ocluída em 44,1% dos casos, quando este critério está ausente. Em outro estudo recentemente publicado (MaMahon R et al; Int J Cardiol. 2012 Apr 30) foi observado que, na ausência de supra de ST concordante, o BRE não é associado com oclusão coronariana aguda. Os autores observam que o BRE sem supra concordante não deveria ser critério para ativação de laboratório de hemodinâmica para terapia de reperfusão.
Os pacientes com BRE sem supra concordante e suspeita de IAM ou não apresentam infarto ou apresentam síndrome coronariana aguda sem lesão coronariana oclusiva. Na realidade, provavelmente a maioria dos atendidos nas unidades de emergência não apresenta IAM, conforme um estudo baseado num registro da Mayo Clinic, onde pacientes atendidos com suspeita de IAM e BRE (novo ou presumidamente novo), a maioria (dois terços) não apresentava síndrome coronariana aguda. O BRE seria de outras etiologias, geralmente condições crônicas: cardiomiopatias, cardiopatia hipertensiva, esclerose e calcificação do sistema de condução, entre outras. O BRE está entre as principais causas de ativação inadequada de serviço de hemodinâmica.
Entretanto, esta é não é uma recomendação incorporada aos Guidelines. A ACC/AHA recomenda encaminhar para reperfusão os pacientes com sintomas isquêmicos e BRE novo, ou presumidamente novo.
Com base nos últimos estudos parece adequado encaminhar para reperfusão os pacientes com sintomas isquêmicos e BRE com supra concordante (provável oclusão da artéria culpada), ou que apresentam instabilidade hemodinâmica, ou dor típica persistente refratária. Caso o paciente se encontre estável, sem dor persistente, e não haja supra concordante, aguardar marcadores de necrose. Se alterados, estratificar como síndrome coronariana sem supra de ST, utilizando os escores como o GRACE, sendo o cateterismo realizado de forma urgente, precoce ou de forma eletiva.
Entretanto, se faz necessário estudos prospectivos para definir melhor esta questão. A maioria dos estudos com BRE e IAM são análises retrospectivas de dados de grandes estudos (como GUSTO-1), ou estudos observacionais com pequeno número de pacientes. A baixa incidênca de BRE associado a IAM, associado a dificuldade de estabelecer o diagnóstico de infarto neste cenário, torna difícil a execução de estudos.
Mas claramente baseado nos dados disponíveis, há uma insatisfação com a recomendação atuyal da AHAACC, já que estes pacientes com BRE e suspeita de IAM apresentam uma taxa elevada de ativação inadequada (falsa) de hemodinâmica (79% vs 10% para IAM com supra).

Referências:
Sgarbossa EB, Pinski SL, Barbagelata A, et al. Electrocardiographic diagnosis of evolving acute myocardial infarction in the presence of left bundle-branch block. N Engl J Med 1996; 334:481-7.
Dodd KW. Aramburo L. Broberg E. Smith SW. For Diagnosis of acute anterior myocardial infarction due to left anterior descending artery Occlusion in left bundle branch block, High ST/S ratio is more accurate than convex ST segment morphology (Abstract 583). Academic Emergency Medicine 17(s1):S196; May 2010
Lopes RD, Siha H, Fu Y et al. Diagnosing acute myocardial infarction in patients with left bundle branch block.Am J Cardiol. 2011 Jul 2
Metha N, Huang HD, Baldeali S. Prevalence of acute myocardial infarction in patients with presumably new left bundle-branch block. J Electrocardiol 45 (2012) 361–36.
McMahon R, Siow W, Bhindi R, et al. Left bundle branch block without concordant ST changes is rarely associated with acute coronary occlusion. Int J Cardiol. 2012.






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