O eixo elétrico do QRS no plano frontal é
variável no bloqueio de ramo esquerdo: pode ser normal, desviado para esquerda,
ou raramente, desviado para a direita.
O desvio do eixo elétrico no plano frontal (AQRS
entre -30 e -90°) na presença de BRE tem sido atribuído a um comprometimento
mais difuso do sistema de condução.
O BRE com desvio do eixo para a direita (ÂQRS entre
+ 90º e ± 180º) é raramente observado e tem a cardiomiopatia com dilatação
biventricular (sobrecarga biventricular) como causa principal.
As Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos (2009) cita
como critério para diagnosticar bloqueio de ramo esquerdo, entre outros, a
presença de eixo elétrico do QRS entre -30° e + 60°, no plano frontal.
Este critério tem sido citado por alguns em
nosso meio (como a própria Diretriz da SBC citada), porém não faz parte dos critérios de BRE citados pelas publicações internacionais,
tais como os tratados de Cardiologia de Braunwald e o livro-texto de Medicina
Cardiovascular de Eric Topol, bem como outras fontes importantes como livros de
Eletrocardiografia (Marriott, Bayes de Luna) e o Uptodate. As Recomendações da
AHA (2009) assim caracterizam o BRE completo:
1.
QRS com duração maior ou igual
a 120 ms em adultos.
2.
Onda R alargada, com
espastamento ou entalhes, em I, aVL, V5 e V6, com um ocasional padrão RS em V5
e V6.
3.
Ausência de onda q em I, V5 e
V6.
4.
Tempo de pico da onda R maior
de 60 ms em V5 e V6.
5.
Alterações de ST/T usualmente
com direção opostas ao QRS.
O BRE com desvio do eixo para a esquerda é
comum, com prevalência de cerca de 50% em pacientes com insuficiência cardíaca com
FE reduzida. Em estudo que realizamos com 50 pacientes com insuficiência cardíaca avançada e BRE, o desvio do eixo para a esquerda esteve presente em 26 pacientes.
Alguns consideram a associação de
bloqueio fascicular anterior (bloqueio visional anterossuperior esquerdo-BDASE) como fator determinante para o desvio do
eixo para a esquerda, o que pode ocorrer quando há bloqueio proximal (troncular) do sistema de condução associado
a bloqueio fascicular anterior esquerdo. Porém, o desvio do
eixo visto no BRE nem sempre tem como causa o bloqueio fascicular anterior esquerdo
associado. Este provavelmente é uma das várias causas. O desvio do eixo pode ser causado pela hipertrofia e dilatação ventricular esquerda ou ser uma característica
do BRE completo por si. Algumas vezes, o desvio para a esquerda surge após
estímulos atriais prematuros ou ectopias atriais, com alargamento adicional do
QRS e desvio do eixo para a esquerda. Uma explicação é que o estímulo prematuro
aumenta o grau de bloqueio do ramo esquerdo (antes incompleto e que se torna
completo), assim o estímulo é conduzido inicialmente somente pelo ramo direito e resulta em um padrão de ativação ventricular similar aquele provocada por marca-passo na região apical do ventrículo
direito, no qual o eixo é para cima (negativo nas derivações inferiores).
Uma nova definição do BRE, chamado
BRE estrito, foi apresentado há poucos anos: QRS con duração ≥ 140 ms para homens e 130 ms
para mulheres, complexo QS ou rS em V1e V2 e presença de QRS entalhes ou
empastamento, em 2 ou mais derivações contíguas.
Também, os estudos de séries de pacientes
com BRE não excluem os pacientes com desvio do eixo, ou seja, não há menção a
este critério do eixo no plano frontal entre 30° e + 60°. Pelo contrário, o
desvio do eixo para esquerda tem sido muito comum nos estudos de pacientes com
BRE. Há inclusive séries que incluem somente pacientes com BRE e desvio do eixo.
Portanto, este é um critério que não tem
justificativa para ser mantido. A presença de desvio do eixo do QRS não é critério para deixar de diagnosticar BRE em um traçado, que apresenta as características citadas acima.
ECG com BRE com desvio do eixo para esquerda. O desvio do eixo para a esquerda é comum no BRE.
ECG de paciente com cardiomiopatia dilatada. Ritmo sinusal, BRE, extrassistolia ventricular, QRS com duração de cerca de 200 ms e eixo do QRS no plano frontal de aproximadamente +70 graus.
Referências:
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al.Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes da Sociedade Brasileira de
Cardiologia sobre Análise e Emissão de Laudos Eletrocardiográficos (2009). Arq
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