sábado, 26 de dezembro de 2020

ATUALIZAÇÃO: ALGORITMO DE BARCELONA PARA O DIAGNÓSTICO DE IAM ASSOCIADO A BRE

Os critérios eletrocardiográficos para diagnóstico de IAM associado BRE apresentam sensibilidade relativamente baixa. Por exemplo, a sensibilidade dos critérios originais de Sgarbossa foi de somente 20% em uma metanálise, enquanto a modificação do 3º critério, com a adoção dos critérios de Sgarbossa modificado por Smith, resulta em sensibilidade moderada.

Este tópico já foi abordado aqui

Assim, visando melhorar a sensibilidade para o diagnóstico de IAM associado a BRE, recentemente foi publicado um estudo com o chamado algoritmo de Barcelona, que pode ser considerado como um refinamento dos critérios prévios. Este algoritmo foi desenvolvido e validado com base numa corte de pacientes com suspeita de IAM e BRE, referidos para angioplastia, os quais foram divididos em dois grupos: derivação (n=153, 61 com IAM) e validação (n=107, 40 com IAM). Um grupo de 214 pacientes com BRE sem suspeita de IAM serviu como controle.

Neste estudo, o algoritmo de Barcelona apresentou alta sensibilidade (93%) e alta especificidade  (94%) para o diagnóstico de infarto agudo na presença de BRE, com AUC de 0,93,PPV=90 (78-96) e NPV=96 (88-98). A sensibilidade foi significativamente melhor do que o escore de Sgarbossa (33%) e Sgarbossa modificado por Smith (68%), mantendo alta especificidade.

O algoritmo de BARCELONA é considerado positivo na presença de qualquer um dos seguintes:

1. Desvio concordante do ST≥ 1 mm em qualquer derivação, a saber:

a) Supra concordante de ST ≥ 1 mm, em qualquer derivação (critério 1 de Sgarbossa);

b) Depressão concordante de ST ≥ 1 mm, em qualquer derivação.

2. Desvio de ST ≥ 1 mm, discordante do QRS, em qualquer derivação com máximo R ou S com voltagem ≤ 6 mm (0,6 mV).


Como se ver, este algoritmo é baseado naqueles critérios descritos por Sgarbossa, com modificações. A maior modificação foi no último critério, em que a análise do ST discordante foi significativa somente quando havia relativa baixa voltagem do QRS (R ou S com voltagem ≤ 6 mm). Ao contrário, o escore original de Sgarbossa não especifica amplitude de QRS (somente se há supra discordante ≥ 5 mm), porém este critério não é suficiente por si só para diagnosticar IAM e, na realidade, ocorre com certa frequência em pacientes com BRE de etiologia não isquêmica (falso-positivos), principalmente em traçados de BRE com ondas S amplas em V1-V4.  Há um racional para a inclusão da amplitude do QRS neste critério 2 do algoritmo de Barcelona (máximo R ou S com voltagem ≤ 6 mm (0,6 mV), que é a observação de que a voltagem do QRS em V1-V3 é significativamente maior em casos de BRE e cardiomiopatia dilatada de etiologia não isquêmica quando comparado aqueles com BRE e cardiomiopatia isquêmica (que tem voltagem menor) (Bayes-Genes A, et al. Eur J Heart Fail 2003 Mar;5(2):165-70). Dessa forma, pacientes com infarto apresentam BRE de etiologia isquêmica e assim tendem a ter, em tese, derivações com complexo QRS de menor amplitude.  O critério de Smith, por sua vez, tem por base a proporção do supra do ST em relação a onda S: ST/S > 25%, assim, também sofre influência da amplitude do QRS.

Este algoritmo de Barcelona com critérios 1 e 2 é de aplicação relativamente simples e poderá ser uma ferramenta útil, se estudos de validação adicionais confirmarem esta maior acurácia.

O diagnóstico de IAM foi realizado quando havia oclusão arterial ou presença de placa com trombose, em caso com BRE novo ou presumidamente novo e sintomas isquêmicos, ou com TIMI ≥1 e presença de elevação e queda de troponina, acima do limite do percentil 99º (limite superior normal).

Uma preocupação diz respeito à porcentagem de pacientes que apresentam artéria culpada ocluída ou subocluída, o que é equivalente a IAM com supra de ST. Neste estudo, 73% dos pacientes apresentam TIMI 0-2 (49% com TIMI 0). No estudo de Smith (validação) de 45 pacientes com IAM, artéria culpada ocluída (com TIMI 0 ou 1) foi observada em 34 (75%). Em estudos de IAM com supra de ST é descrito que 1/3 a 1/4 dos pacientes não apresentam artéria ocluída na ocasião da angioplastia.

A seguir dois exemplos de traçados de pacientes atendidos em Unidade de Emergência com BRE e com IAM confirmados:



Neste exemplo, está presente o critério: desvio de ST ≥ 1 mm, discordante do QRS, em qualquer derivação com máximo R ou S com voltagem ≤ 6 mm (0,6 mV). Em V4, supra discordante (quase 2 mm) em complexo com S ≤ 6 mm. Observe também a presença do critério de Smith em V4.




Outro exemplo de BRE e IAM. Em V4, depressão (infra) concordante de ST ≥ 1 mm, em qualquer derivação. 



Para aplicar este algoritmo em paciente com sintomas isquêmicos e BRE, podemos inicialmente avaliar se existe supra de ST concordante de 1 mm ou mais, em qualquer derivação, ou infra de ST concordante  de 1 mm ou mais, em qualquer derivação. O outro critério é a presença de desvio de ST ≥ 1 mm, discordante do QRS, em qualquer derivação com máximo R ou S com voltagem ≤ 6 mm.  Aqui olhamos para as derivações com voltagem baixa de R ou S (com voltagem de 6 mm ou menor) se há supra ou infra de ST discordante em qualquer derivação. A presença de um destes critérios caracteriza algoritmo positivo (equivalente a IAM com supra). 


*Desvios concordantes ou discordantes de ST:

Supra concordante de ST: presença de elevação do segmento ST,  em QRS com polaridade predominantemente positiva (com onda R).

Infra concordante de ST: presença de depressão do segmento ST,  em QRS com polaridade predominantemente negativa (com onda S).

Supra discordante de ST: presença de elevação do segmento ST,  em QRS com polaridade predominantemente negativa (com onda R).

Infra discordante de ST: presença de depressão do segmento ST, em QRS com polaridade predominantemente positiva (com onda R).

Na presença de BRE, os desvios do segmento ST devem ser medidos no ponto J, em relação ao início do QRS (término do segmento PR) e considerados significativos se ≥ 1 mm, em qualquer derivação.

 

1. Di Marco A, et al. New Electrocardiographic Algorithm for the Diagnosis of Acute Myocardial Infarction in Patients With Left Bundle Branch Block. J Am Heart Assoc. 2020;9:e015573.

2. Mayers PH, et al. Validation of the modified Sgarbossa criteria for acute coronary occlusion in the setting of left bundle branch block: A retrospective case-control study. Am Heart J 2015;170:1255-1264.



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